terça-feira, setembro 30, 2008

"Os publicanos e as mulheres de má vida irão antes para o Reino de Deus".

Os príncipes dos sacerdotes e os anciãos do povo devem ter ficado escandalizados e irritados quando escutaram estas palavras de Jesus.
Eles consideravam “os publicanos e as mulheres de má vida” como pecadores públicos e excluídos da promessa da salvação de Deus.
Ora, Jesus, contradizendo aquelas convicções religiosas, mostra que vem para salvar todos os homens. Mais, Ele faz questão de sublinhar que a sua missão passa por ir ao encontro daqueles que se encontram mais longe de Deus e mais des-prezados pelos homens. Ele vem para procurar a ovelha per-dida e faz ver que os que estão doentes é que precisam do mé-dico. Deste modo, justifica a prioridade que dá aos pecadores.
Depois, Jesus verifica – e faz questão de o sublinhar – que muitos daqueles pecadores são mais receptivos à sua pessoa do que os chefes do povo, os fariseus e os escribas.
  • Enquanto estes não reconhecem Jesus nem aceitam o reino de Deus que Ele anuncia, aqueles (os pecadores) deixam-se tocar e transformar radicalmente pela palavra e pelo amor de Deus que Jesus proclama e testemunha.
  • Por conseguinte, tendo-se convertido a Deus e renun-ciado à sua vida de pecado, eles chegam primeiro ao reino de Deus.

Jesus confirma o que Deus já ensinara através do profeta Ezequiel: o pecador, por mais grave e continuado que seja o seu pecado, não está necessária e definitivamente condenado. Desde que queira, isto é, desde que esteja disposto a mudar de vida, o homem pecador pode sempre beneficiar do amor misericordioso de Deus.

“Os publicanos e as mulheres de má vida irão diante de vós para o reino de Deus”. Estes pecadores correspondem ao filho da parábola que disse não ao pai, mas depois foi trabalhar para a sua vinha.
Durante mais ou menos tempo, eles disseram não a Deus: não à sua verdade, ao seu amor, às suas normas morais, à sua proposta de vida. Porém, depois de se encontrarem com Jesus e acreditarem nele, passam a dizer sim a Deus. Este sim a Deus, que é o sim da fé, concretiza-se, antes de mais, na adesão pessoal ao próprio Deus. Depois, na aceitação dos seus desígnios, no fazer a sua vontade, no trabalhar no seu reino.
O sim (a conversão) que salva o homem, não é um sim superficial e momentâneo, mas um sim que compromete o homem no seu todo e para o resto da sua vida; não é um sim que sai apenas da boca, mas um sim que se diz com o coração e com a vida.
Deus não se deixa iludir com palavras.
Ele sabe como são enganadoras as palavras dos homens. Deus só se impressiona com a coerência de vida. Por isso mesmo, Jesus diz-nos: “nem todo aquele que diz Senhor, Senhor, entrará no reino dos Céus, mas só aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos Céus”.

Para entrar no reino dos Céus, não basta pronunciar ou invocar muitas vezes o nome de Deus, dizer ou fazer muitas orações, participar frequentemente na Eucaristia dominical, cumprir religiosamente as leis da Igreja. Tudo isso é importante, mas não é quanto baste.
É absolutamente necessário:

  • acolher Deus na nossa vida e converter continuamente a Ele a nossa mente, o nosso oração e a nossas vontade;
  • deixar que seja Deus, com a sua verdade e o seu amor, a orientar e a dinamizar a nossa vida e o nosso agir no seio da sociedade;
  • trabalhar, com empenho e perseverança, pondo a render os dons recebidos de Deus, na construção de um mundo melhor.

  • Tu, que hoje estás aqui, és dos que dizes sim a Deus apenas com a boca ou o teu coração está em sintonia com as tuas palavras? Estás disposto a submeteres-te ao detector de mentiras?!
  • Tu, que és pecador, queres realmente aproveitar, no hoje da tua vida, a graça de Deus, do Deus que ter quer perdoar e salvar? Ou és daqueles que preferem, por desleixo e comodis-mo, deixar tudo para a última hora?
  • Tu, que te dizes cristão, que trabalho realizas na vinha do Senhor? Tens consciência do teu lugar e missão na Igreja? O que fazes pelo crescimento do reino de Deus? Sentes que és uma mais valia para a tua comunidade cristã ou limitas-te a ser um baptizado que só serve para as estatísticas?

Retém, se possível, algumas destas perguntas e deixa-te interpelar por elas.

domingo, setembro 14, 2008

Redescobrir a Cruz gloriosa

Actualmente a cruz já não se apresenta aos fiéis em seu aspecto de sofrimento, de dura necessidade da vida ou inclusive como um caminho para seguir a Cristo, mas em seu aspecto glorioso, como motivo de honra, não de pranto.

Antes de tudo, digamos algo sobre a origem desta festa. Ela recorda dois acontecimentos distantes no tempo. O primeiro é a inauguração, por parte do imperador Constantino, de duas basílicas, uma no Gólgota, outra no sepulcro de Cristo, no ano 325. O outro acontecimento, no século VII, é a vitória cristã contra os persas, que levou à recuperação das relíquias da cruz e sua devolução triunfal a Jerusalém. Contudo, com o passar do tempo, a festa adquiriu um significado autônomo. Converteu-se em uma celebração gloriosa do mistério da cruz, que, sendo instrumento de ignomínia e de suplício, Cristo transformou em instrumento de salvação.

As leituras reflectem esta perspectiva. A segunda leitura volta a propor o célebre hino da Carta aos Filipenses, onde se contempla a cruz como o motivo da maior «exaltação» de Cristo: «aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo e assemelhando-se aos homens. E, sendo exteriormente reconhecido como homem, humilhou-se ainda mais, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz. Por isso Deus o exaltou soberanamente e lhe outorgou o nome que está acima de todos os nomes, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho no céu, na terra e nos infernos. E toda língua confesse, para a glória de Deus Pai, que Jesus Cristo é Senhor». Também o Evangelho fala da cruz como do momento no qual «o Filho do homem foi levantado para que todo o que creia tenha por Ele vida eterna».

Houve, na história, dois modos fundamentais de representar a cruz e o crucifixo. Os chamamos, por comodidade, de o modo antigo e o moderno. O modo antigo, que se pode admirar nos mosaicos das antigas basílicas e nos crucifixos da arte romântica, é glorioso, festivo, cheio de majestade. A cruz, frequentemente sozinha, sem crucifixo, aparece projectada num céu estrelado, e sob ela a inscrição: «Salvação do mundo, salus mundi», como em um célebre mosaico de Ravena.

Nos crucifixos de madeira da arte românica, este tipo de representação se expressa no Cristo que reina com vestes reais e sacerdotais a partir da cruz, com os olhos abertos, o olhar para a frente, sem sombra de sofrimento, mas radiante de majestade e vitória, já não coroado de espinhos, mas de pedras preciosas. É a tradução do versículo do salmo: «Deus reinou do madeiro» (regnavit a ligno Deus). Jesus falava de sua cruz nestes mesmos termos: como o momento de sua «exaltação»: «E quando eu for levantado da terra, atrairei todos para mim» (Jo 12, 32).



A forma moderna começa com a arte gótica e se acentua cada vez mais, até converter-se no modo ordinário de representar o crucifixo. Um exemplo é a crucifixão de Matthias Grunewald no altar de Isenheim. As mãos de os pés se retorcem como arbustos ao redor dos cravos, a cabeça agoniza sob um feixe de espinhos, o corpo coberto de chagas. Igualmente, os crucifixos de Velázquez e de Dali e de muitos outros pertencem a este tipo.

Os dois modos evidenciam um aspecto verdadeiro do mistério. A forma moderna-dramática, realista, pungente – representa a cruz vista, por assim dizer, por diante, «de cara», em sua crua realidade, no momento em que se morre nela. A cruz como símbolo do mal, do sofrimento do mundo e da tremenda realidade da morte. A cruz se representa aqui «em suas causas», isto é, naquilo que, habitualmente, a ocasiona: o ódio, a maldade, a injustiça, o pecado.

O mundo antigo evidenciava não as causas, mas os efeitos da cruz; não aquilo que produz a cruz, mas o que é produzido pela cruz: reconciliação, paz, glória, segurança, vida eterna. A cruz que Paulo define como «glória» ou «honra» do crente. A festividade de 14 de setembro chama-se «exaltação» da cruz porque celebra precisamente este aspecto «exaltante» da cruz.

Deve-se unir à forma moderna de considerar a cruz, a antiga: redescobrir a cruz gloriosa. Se no momento em que se experimentava a provação, podia ser útil pensar em Jesus cravado na cruz entre dores e espasmos, porque isto fazia que o sentíssemos próximo a nossa dor, agora há que pensar na cruz de outro modo. Explico com um exemplo. Perdemos recentemente uma pessoa querida, talvez depois de meses de grande sofrimento. Pois bem: não há que continuar pensando nela como estava em seu leito, em tal circunstância, em tal outra, a que ponto se havia reduzido no final, o que fazia, o que dizia, talvez torturando a mente e o coração, alimentando inúteis sentimentos de culpa. Tudo isto terminou, já não existe, é irreal; atuando assim não fazemos mais que prolongar o sofrimento e conservá-la artificialmente com vida.

Há mães (não digo para julgá-las, mas para ajudá-las) que depois de terem acompanhado durante anos um filho em seu calvário, quando o Senhor o chama para Si, rechaçam viver de outra forma. Em casa, tudo deve permanecer como estava no momento da morte do filho; tudo deve falar dele; visitas contínuas ao cemitério. Se há outras crianças na família, devem adaptar-se a viver também neste clima permeado de morte, com grave dano psicológico. Estas pessoas são as que mais necessitam descobrir o sentido da festa de 14 de setembro: a exaltação da cruz. Já não és tu que leva a cruz, mas a cruz que te leva; a cruz que não te arrebata, mas que te ergue.

Há que pensar na pessoa querida como é agora que "tudo terminou". Assim faziam com Jesus os artistas antigos. Contemplavam-no como é agora, como está: ressuscitado, glorioso, feliz, sereno, sentado no trono de Deus, com o Pai que "enxugou toda lágrima de seus olhos" e lhe deu "todo poder nos céus e na terra". Já não entre os espasmos da agonia e da morte. Não digo que se possa sempre dominar o próprio coração e impedir que sangue com a recordação do sucedido, mas há que procurar que impere a consideração de fé. Senão, para que serve a fé?

Traduzido por Zenit